O Supremo Tribunal
Federal prepara-se para julgar um caso que expõe o grau de negligência
com que o Estado brasileiro gerencia o seu sistema prisional. Milhares
de criminosos condenados a cumprir pena de prisão em regime semiaberto
podem ser mandados para casa por falta de vagas
nos presídios. No ano passado, o déficit de acomodações para esse tipo
de prisioneiro era de 24 mil vagas. Estima-se que o número roçará a casa
dos 30 mil quando o STF bater o seu martelo.
Adepto da tese segundo a
qual “o réu não pode arcar com a ineficiência do Estado”, o ministro
Gilmar Mendes é relator de um recurso especial originário do Rio Grande
do Sul. Envolve um ladrão. Roubou de uma pessoa R$ 1.300 e um telefone
celular. Agrediu a vítima. Foi condenado a cinco anos e oito meses de
cadeia em regime semiaberto. Deveria ter sido recolhido a uma colônia
agrícola ou industrial. Não havia vagas. E o Tribunal de Justiça gaúcho
atenuou-lhe o castigo, mandando-o à prisão domiciliar.
Inconformado o Ministério
Público recorreu ao STF para tentar impor ao condenado a cadeia em
regime fechado em vez do refresco domiciliar. No Supremo, o caso será
julgado sob as regras da “repercussão geral”, uma ferramenta processual
que faz com que a decisão da Corte suprema seja aplicada em casos
idênticos nas instâncias inferiores do Judiciário. Gilmar Mendes decidiu
submeter a encrenca ao plenário do tribunal. Antes, fará uma audiência
pública para esmiuçar o tema. Será nos dias 27 e 28 de maio.
Em entrevista ao blog,
Gilmar admitiu que o julgamento pode resultar em benefício para cerca de
30 mil prisioneiros sentenciados ao regime semiaberto. Podem migrar
para uma condição melhor do que a do ladrão gaúcho. “Em muitos casos
pode significar até não aplicar qualquer pena”, disse o ministro. Os
juízes converteriam as sentenças em castigos alternativos. Entre os
potenciais beneficiários estão 11 dos 25 condenados do mensalão. Entre
eles José Genoino, Roberto Jefferson e Valdemar Costa Neto.
O próprio Gilmar reconhece que a eventual liberação de tantos presos trará “graves consequências para todo o sistema”
prisional. Aguçará no brasileiro o “sentimento de impunidade.” Daí sua
decisão de escancarar o caso numa audiência pública. O debate abrangerá
outras mazelas do sistema carcerário. Segundo o ministro, há no Brasil
540 mil presos (eram 95 mil em 1995). Desse total, 40% são “presos
provisórios”. Gente que foi em cana “sem uma decisão judicial
condenatória.” Alguns há mais de uma década –11 anos num caso detectado
pelo Conselho Nacional de Justiça no Espírito Santo; 14 anos num
processo do Ceará.
Gilmar voltou a ironizar
comentário feito pelo ministro petista da Justiça, José Eduardo Cardozo.
Em novembro do ano passado, no auge do julgamento do mensalão, o
auxiliar de Dilma Rousseff tachara de “medieval” o sistema prisional.
Dissera que, se fosse condenado a uma pena longa, preferiria morrer a
ser recolhido a uma cadeia brasileira. E Gilmar: “Se fosse o ministro da
Saúde falando do sistema prisional, nós diríamos: é apenas uma opinião.
Mas ele [Cardozo] é o único ator que de fato pode conseguir mudar esse
quadro e coordenar os esforços.”
Para Gilmar, “a União
está em déficit na temática da segurança.” E quem mais padece são os
réus pobres. “Temos um sistema de assistência judiciária altamente
deficiente”, diz o ministro. “Há hoje no Brasil algo em torno de 5 mil
defensores públicos. Se eles se dedicassem apenas aos presos –dos 540
mil talvez 90% sejam pessoas pobres— muito provavelmente não haveria
como atender à demanda.”
Fonte: Blog do Josias de Souza UOL
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